23 anos, diagnosticada diabética há 14 anos e 7 meses.
Eu estou do lado daqui da discussão, eu sou uma interessada em um tratamento que é básico, que eu não consigo bancar e que o governo não me oferece. Do lado daqui, eu vejo que o Dr. Marcelo Naves (1) vive num Brasil que, infelizmente, não existe na realidade da maioria da população. E não é luxo ou privilégio elitista que estou querendo.
Pelo contrário. Eu passo madrugadas e mais madrugadas em filas para conseguir marcar consulta no SUS e lá vejo pessoas muito mais necessitadas financeiramente que eu. O diabetes, e todas as outras doenças crônicas (ou não), não "escolhem" seus pacientes por idade, classe social, cor, raça, emprego ou qualquer outro critério... Vejo idosos, vejo crianças, vejo pobres, vejo pessoas da classe média, vejo gente de toda situação passando noite na fila para conseguir as insulinas Lantus e ultrarrápidas, que são um pouco mais sofisticadas que a NPH e a Regular, distribuídas gratuitamente na Farmácia Popular.
O que eu busco hoje é ser usuária da bomba de infusão de insulina. Esse sim é o tratamento mais adequado. E não digo mais adequado para mim, Vanessa Magalhães de Freitas, digo mais adequado à maioria dos diabéticos do tipo 1. Atualmente, segundo pesquisa que eu mesma fiz semana passada, uma bomba de insulina custa por volta de doze mil reais e os insumos mensais custam em torno de algo entre 1.500 e 2.500 reais mensais. Eu, estudante universitária, esperando convocação em concurso que fui aprovada para ganhar 2400 reais mensais, ainda não consigo, e provavelmente não conseguirei tão cedo, bancar um tratamento desses. Os milhares de pacientes diabéticos que frequentam o mesmo hospital que eu também não conseguem. Mas para o Estado (União, Estados, DF e Municípios) é sim possível distribuir esse tratamento a nós. Basta que o Estado utilize seu orçamento de maneira inteligente e correta.
Eu pretendo buscar esse tratamento através de uma ação judicial, já que ele não é fornecido administrativamente. Pelo que entendi do texto do Dr. Marcelo (perdoe-me se entendi errado, pois não sou advogada e minha área acadêmica não é a jurídica), ele acha que devia ser algo como "Ou tem pra todo mundo ou não tem pra ninguém". Acontece que, pelo retrato do Brasil atualmente, a única alternativa plausível, seguindo a linha de pensamento do Dr. Marcelo, é não ter pra ninguém. E aí? E eu? Eu devo continuar pagando impostos estratosféricos e não ter algo que me é garantido constitucionalmente? Quer dizer que, se eu fosse rica e conseguisse pagar do meu próprio bolso a bomba e os insumos, eu não teria direito a exigir meu direito básico à saúde? Quer dizer que se meu tratamento fosse de 2 milhões de reais eu teria que morrer, porque eu não tenho 2 milhões de reais e 2 milhões de reais é luxo e é abusivo?
Eu acho que pessoas que veem as coisas pelo ponto de vista do Dr. Marcelo, ou do comentário que deixaram "De fato o SUS deve ser focado nas medidas preventivas e coletivas, e não no assistencialismo, embora haja casos de que o atendimento individual seja prioritário, mas não pode ser como vem sendo atualmente (apenas direito individual)", nunca precisaram realmente de uma assistência médica, de algo que garanta que eles tenham qualidade de vida mesmo tendo que conviver eternamente com uma doença limitativa e aterrorizante. Não julgo as palavras deles como incorretas ou absurdas, mas eu espero que eles nunca precisem estar do lado de cá da discussão para entender o porque de eu recorrer à justiça para conseguir meu tratamento. Espero sinceramente que eles entendam isso simplesmente por tentarem se colocar no meu lugar, ou no lugar do "portador de uma doença rara e degenerativa". Eles estão levando em conta unicamente a questão legal das coisas e, mesmo assim, desconsiderando parte fundamental da Constituição Federal.
Espero que eles percebam que minha glicemia não sabe esperar pela justiça brasileira, menos ainda pelo sistema pseudouniversal de saúde no Brasil. Meu organismo não é um relógio, meu organismo não está apto a interpretar as leis, quando eu nasci, o médico não programou meu organismo no "Modo Sistema de Saúde Brasileiro".
(1) Referência ao autor do texto publicado na revista eletrônica Conjur de 22.10.2013, respondido por mim no espaço de comentários ao artigo, com transcrição na postagem Distorções.
(2) "Do lado de cá" foi enviado a mim por uma mensagem eletrônica. Emocionou-me demais por sua contundência e humanidade. Assim, com autorização da própria Vanessa, resolvi publicá-lo.
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