sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Quero meus medicamentos, e na farmácia da UBS!

Relatos dos dias 12 e 24/01/17

Compareci à UBS/AMA Santa Cecília no dia 12/01/17 para retirar meus insumos de controle glicêmico (fitas, lancetas e lixo para materiais pérfuro-cortantes), medicamentos (tiamina, complexo B e levotiroxina sódica), marcar exames (sangue, raio-x de tórax e eletrocardiograma) e consultas (endocrinologista, clínica geral e oftalmoloogista).

Primeiro fui ao setor do kit diabetes, mas a sala estava trancada com um aviso na porta, informando que faltavam todos os materiais do Programa de Automonitoramento Glicêmico.




Desci até a farmácia, onde consegui retirar apenas uma caixa de 100mg de levotiroxina sódica (minha dose diária é de 125 mg). A levotiroxina de 25 mg, a tiamina e o complexo B estavam em falta. Vários usuários que chegaram depois de mim também receberam apenas parte dos medicamentos utilizados.

Quando me dirigia à recepção para marcar os exames e consultas, encontrei Doly, integrante do Conselho Gestor da UBS. Por ser idosa, sua senha era preferencial, mas até as 11h30 (horário em que desisti de tentar ser atendida) ela ainda não obtivera êxito em marcar sua consulta odontológica. Desde as 10h00 ela aguardava ser chamada.

Antes de eu ir embora, enquanto esperávamos juntas sermos chamadas, um funcionário da UBS conversou brevemente conosco sobre a nova gestão da Secretaria Municipal de Saúde: os trabalhadores da UBS estão recebendo diretrizes desencontradas, contraditórias entre si, determinando procedimentos e fluxos de serviços diversos dos seguidos até então.

Eu e Doly

Retornei à UBS no dia 24/01/17, após uma amiga relatar o retorno do fornecimento dos insumos de diabetes na UBS do Jardim da Saúde, mas aqui na Santa Cecília a situação permanecia a mesma, sem materiais. A farmácia seguia sem a tiamina, e, em relação ao complexo B, uma funcionária afirmou (erroneamente) não ser fornecido pelo SUS.

Apesar da grande fila no setor de agendamento, resolvi insistir e esperar para marcar as consultas médicas e exames. Aproveitei o tempo da espera para começar a escrever esse post, e para conversar com as outras pessoas que também aguardavam ser chamadas, muitas delas atordoadas com a notícia do fechamento das farmácias das UBS´s de São Paulo. Depois de aproximadamente uma hora, o companheiro da usuária com quem eu conversava desistiu de esperar porque precisava trabalhar, e me deu a sua senha (30 números antes do meu). Uns 15 minutos depois fui chamada, e consegui marcar todas as consultas e exames: eletrocardiograma para dois dias depois, raio-x de tórax e consulta com clínica geral para a semana seguinte, exames de sangue e urina na primeira semana de fevereiro, e consultas com endocrinologista e oftalmologista para a primeira semana de março. 

 

Reflexões:

Durante todo o ano de 2016 enfrentamos dificuldades para receber os insumos do kit diabetes em São Paulo. Há mais de 6 meses faltam seringas em várias unidades, e desde novembro faltam fitas e lancetas em praticamente todo o município. Em outubro recebi informações da Comissão de Políticas de Saúde de São Paulo acerca de uma compra emergencial de seringas que, no entanto, não chegou a todas as unidades, tampouco solucionou o desabastecimento. Alguns amigos de Santana e daqui da região da Santa Cecília não recebem metformina desde o fim do ano. 

E qual seria o motivo do desabastecimento? Falta de verba (federal, estadual ou municipal?), impontualidade na entrega pelas empresas fornecedoras, necessidade de nova licitação, ou problemas administrativos? Nós usuários do SUS não recebemos essa informação, apenas nos dizem que os insumos estão em falta. Precisamos saber o motivo dessa falta para exercer o controle social, para solicitar e sugerir medidas aos responsáveis pelas providências cabíveis e necessárias ao restabelecimento do serviço. O problema é que a gestão também não informa aos trabalhadores o motivo do desabastecimento, ou seja, eles também não conseguem explicar aos usuários por que faltam seringas, fitas, lancetas e lixo para materiais pérfuro-cortantes. A falta de transparência impede que os usuários contribuam para o funcionamento do sistema.

No momento atual, segundo a conversa com o funcionário da UBS sobre as diretrizes desencontradas da nova gestão municipal, e ainda conforme informação de um amigo de militância com acesso à Secretaria Municipal de Saúde, segundo quem o Secretário afirmou estar "tomando pé" do funcionamento do sistema, o motivo da falta dos insumos é a incompetência administrativa. Resta saber se o desconhecimento se refere ao programa de automonitoramento glicêmico, ou ao próprio sistema público de saúde.

 
O SUS fornece vitaminas, inclusive o complexo B. Os usuários devem receber informações corretas sobre o acesso a medicamentos. Quando os funcionários não conhecem os componentes da assistência farmacêutica, a comunicação e a informação sobre os direitos dos usuários do SUS é falha. Mas na ausência de informações corretas, os usuários podem conferir quais são os medicamentos integrantes da assistência farmacêutica (entre eles o complexo B) em São Paulo neste link: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/assist_farmaceutica/index.php?p=218750

Segundo informações do Conselho Gestor da UBS Santa Cecilia, ao final de 2016 faltavam cerca de 100 produtos da lista dos 285 fármacos padronizados para dispensação à população e uso interno dos serviços de saúde abrangidos pela unidade. Ainda, segundo funcionários da farmácia, desde o fim do ano passado a UBS não recebe novos medicamentos, indicando a implementação em curso da privatização da assistência farmacêutica em São Paulo, conforme anunciado em janeiro deste ano pela Secretaria Municipal de Saúde, antes mesmo do debate sobre o assunto com a população (informações sobre o assunto neste link: http://diabetesedemocracia.blogspot.com.br/2017/02/sinfar-sp-convoca-farmaceuticos-e.html).

A distribuição dos medicamentos do SUS apenas em farmácias da rede privada é uma grande desvantagem para os usuários que precisarão se deslocar da unidade para um outro local. Neste e nos demais relatos da UBS Santa Cecilia é possível verificar que a assistência farmacêutica está inserida nos serviços da atenção básica como um todo integral, representando o fechamento das farmácias da UBS´s violação do princípio e diretriz constitucional da integralidade do SUS. E se um trabalhador do SUS às vezes desconhece a lista dos componentes da assistência farmacêutica do SUS, o que dirá um vendedor, sem qualquer contato com a saúde pública, que apenas entrega mercadorias? Assistência farmacêutica não é apenas fornecer medicamentos, é assistir o usuário com a medicação, informação e atenção, integrados aos demais serviços de saúde prestados pela unidade. E o mais importante: há poucas farmácias da rede privada nas periferias de São Paulo, e a medida não foi debatida com os cidadãos.

Quero os meus medicamentos, e na farmácia da UBS!


 
Em relação à lentidão do sistema e do andamento da fila de marcação de exames e consultas, conforme informações do Conselho Gestor da UBS Santa Cecília, o problema é acarretado pela falta de profissionais do setor administrativo. No agendamento, apenas 6 profissionais prestam serviços de informação, confecção de cartão SUS, abertura e renovação de cadastro, marcação de consultas e exames, e confirmação de consultas. São cerca de 2.000 atendimentos por dia, tornando o serviço moroso e constante alvo de reclamações. Com frequência os funcionários cedidos pelo IABAS (OS administradora da AMA Santa Cecília) são chamados a trabalhar no AMA Especialidades, deixando o setor descoberto.

O grande número de pessoas a serem atendidas, o pouco número de trabalhadores, juntamente com a frequente lentidão do sistema informatizado SIGA, faz com que os usuários despendam muito tempo na marcação de consultas e exames, tensionando o ambiente e causando mal entendidos entre usuários e trabalhadores. Há enorme desgaste de ambas as partes, que muitas vezes culmina em cenas de desrespeito, violência e adoecimento, tendo o setor o maior histórico de funcionários com sofrimento psíquico.


Necessário, portanto, reavaliar o sistema de informática utilizado e pensar um novo plano estratégico para a Central de Informática, e ainda contratar e/ou colocar mais funcionários no atendimento de maneira fixa, para evitar lentidão do atendimento e melhorar o fluxo de agendamento e confirmação de consultas e exames.



Apesar de todas as dificuldades relatadas, consegui marcar consultas com 3 especialistas, e ainda 3 tipos de exames diferentes, e receber um dos medicamentos necessários ao cuidado integral da minha saúde, e todos os atendimentos serão realizados na UBS Santa Cecília. Isso é saúde integral, e a assistência farmacêutica está incluída neste contexto.




Saiba mais sobre os relatos da UBS Santa Cecília neste link:
http://deboraligieri.blogspot.com.br/2016/05/relatos-da-ubs-santa-ceciliasp.html

Leia todos os relatos da UBS Santa Cecília neste link:
http://deboraligieri.blogspot.com.br/search/label/UBS%20Santa%20Cecilia%2FSP

4 comentários:

Débora Aligieri disse...

Reproduzo aqui dois comentários do facebook a partir do debate proposto pelo post:

Cris Vi: Farmacêutico não é balconista de farmácia! UBS não é mercadinho. Cidadão não é gado.

Suzana Vieira: Nem consigo dimensionar quanto a falta de medicamentos e insumos estão impactando no tratamento dos paciente, mas posso afirmar que o prejuízo é imenso. Muitos estão comprando o que podem quando podem diante da crise financeira.

Não só as medicações para diabetes, como para hipertensão e colesterol alto estão em falta.
Em relação às farmácias do posto, posso também observar que muitos pacientes aproveitam para fazer a consulta e pegar os medicamentos na mesma oportunidade.
Um exemplo sobre o quanto a fragmentação da assistência farmacêutica pode ter impacto na adesão, algumas vezes, as medicações que o paciente mais falha em tomar são aquelas que são pegas na farmácia popular, como por exemplo o glifage XR. Apesar desse último ter uma posologia mais cômoda e menores efeitos colaterais, os benefícios podem ser diluídos frente à dificuldade de acesso.
Espero que tenhamos notícias o mais breve sobre o que está acontecendo e quais os planos sobre a regularização.

Débora Aligieri disse...

Reproduzo também um papo bem interessante que tive na página "Téc. Farmácia da Depressão" (https://www.facebook.com/TecFarmaciaDaDepressao/posts/1488906091140355?comment_id=1489055774458720&notif_t=like&notif_id=1486221921807530) com a Alessandra Prado, que me fez perceber que o complexo B é fornecido apenas para pessoas da linha de cuidado de sobrepeso e obesidade (no fim das contas, estávamos eu e a funcionária certas e erradas!). E ainda, sobre a necessidade de uma equipe multidisciplinar para esclarecimento dos usuários sobre o acesso à medicação e sobre o tratamento prescrito.

Alessandra Prado: complexo b só tem injetável e é dips pra tomar na unidade o paciente não leva pra casa

Débora Aligieri: Alessandra, obrigada pelo aviso. Mas ontem mesmo, conversando com colegas usuários da UBS, constatei que a minha informação está correta, pois muitos deles retiravam sim o complexo B, ali mesmo na Santa Cecilia, em comprimidos.

Alessandra Prado: Então, se você de uma olhada na lista dá REMUME SP 2016 não consta essa medicação, verifica corretamente se os usuários não estão confundindo com outras medicações como sulfato ferroso e ácido fólico.

Débora Aligieri: Pode ser, vou verificar. Mas o fato é que foi a própria médica da AMA que me informou ser fornecido na UBS (talvez seja essa a informação incorreta). De qualquer forma, o ponto principal do debate não é saber quem tem razão, usuários ou profissionais, mas unirmos forças em defesa da assistência farmacêutica do SUS, no SUS.

Alessandra Prado: Entendi , por isso que é importante uma equipe multidisciplinar no posto , justamente pra esclarecer as dúvidas dos usuários

Débora Aligieri: no item 214 do link que enviei, consta "polivitaminico (vitaminas A, C, D, E e do complexo B) comprimido". Mas de fato, olhando na Portaria pertinente, o fornecimento é para pessoas atendidas na linha de cuidado de sobrepeso e obesidade.

​Débora Aligieri: Alessandra Prado, a necessidade de esclarecimento por uma equipe multidisciplinar é mais um ponto em defesa da manutenção das farmácias nas UBS's. Linda observação!

Débora Aligieri disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Débora Aligieri disse...

Convite aos cidadãos para a reunião do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo - kit #diabetes (programa de automonitoramento glicêmico - AMG)

Na semana passada publiquei esse post que aborda, entre outras questões, o desabastecimento do kit diabetes no Município de São Paulo. Enviei mensagem ao Conselho Municipal de Saúde com o link do texto, e recebi em resposta um convite para a próxima reunião ordinária, que acontece amanhã, dia 09/02/17.As reuniões do CMSSP são abertas a todos os cidadãos.

Assim, convido todos os interessados a me acompanhar amanhã na reunião do CMSSP para compartilharmos com os Conselheiros de Saúde os problemas que estamos enfrentando para receber fitas, lancetas, lixo para materiais pérfuro-cortantes, metformina e seringas nas UBS's, e pedirmos apoio do Conselho na cobrança de providências por parte da gestão municipal de saúde.

A reunião não é para tratar especificamente deste assunto, é uma reunião ordinária, mas pretendo suscitar a questão para debatermos propostas de melhoria do fornecimento e de criação de ferramentas de transparência e controle social. Minha ideia é sugerir a criação de uma espaço "aqui tem insumos de diabetes" no site da Secretaria Municipal de Saúde (a exemplo do "aqui tem remédio" - http://aquitemremedio.prefeitura.sp.gov.br/#/) informando quais os materiais do kit diabetes disponíveis em cada UBS e, se indisponíveis, o motivo da indisponibilidade (necessidade de licitação, atraso na entrega dos produtos pelos fornecedores, produto em aquisição pela gestão municipal, ou desabastecimento na unidade). Dessa forma, além de sabermos com antecedência se falta algum material na UBS que frequentamos, podemos também pedir providências para a regularização do fornecimento a quem de direito.

Seguem então informações de horário e local:

Reunião do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo

Data: 09/02/17 (quinta-feira)

Horário: 14h

Local: Rua General Jardim, 36 – 4º andar – Vila Buarque - Sala de reuniões do CMSSP