Relato do dia 19.10.16*
Hoje compareci à UBS/AMA Santa Cecília para retirar timanina e levotiroxina sódica (para tratamento de neuropatia diabética e hipotireoidismo, respectivamente). Pensei em aproveitar e entregar para recolhimento o meu lixo de pérfuro-cortantes, marcar o retorno com a neurologista e a clínica geral, marcar exames, e verificar no setor de regulação o andamento do pedido já registrado de exames de mapeamento da retina e retinografia, e do atendimento para avaliação da minha endometriose (sim, faço tudo isso na num único lugar!).
Cheguei à farmácia da UBS e fui prontamente atendida, nem precisei retirar senha, pois eu era a única usuária ali naquele momento. No início do ano tive problemas para receber a tiamina, mas desde a minha última visita o fornecimento está regular. A funcionária da farmácia me alertou sobre a necessidade de uma nova receita para a próxima retirada, e informei que marcaria a consulta para isso também hoje mesmo.
Mas não obtive sucesso em receber a levotiroxina na dose prescrita. Uso a dose de 125 mg, e a minha receita prescreve uma caixa de 25 mg e outra de 100 mg (não está disponível no SUS a caixa de 125 mg, questionei isso num outro relato: http://deboraligieri.blogspot.com.br/search/label/UBS%20Santa%20Cecilia%2FSP). Mas só havia disponível a caixa de 25 mg, a de 100 mg está em falta na UBS/AMA Santa Cecília (segundo a funcionária, haverá novo abastecimento da farmácia somente no dia 26/10).
Questionei então se eu não poderia levar 5 caixas de 25 mg, o que totalizaria a dose que utilizo (125 mg), e a atendente me informou ser impossível, em razão das doses mencionadas na receita (somente se a receita prescrevesse 5 caixas de 25 mg ela poderia me entregar). Questionei então qual a melhor solução: eu ficar sem a dose necessária ou totalizar a dose de forma diversa da receita? A funcionária então respondeu que eu poderia me dirigir a outra UBS para retirar a caixa de 100 mg. Mas a minha visita na UBS foi calculada de acordo com o meu tempo disponível dentro do meu cronograma de trabalho, portanto não conseguiria ir a outra unidade ainda hoje. Assim, levei apenas 1/5 da dose prescrita.
Fazia muito calor, e a farmácia tem uma pequena abertura apenas. Perguntei se o ar condicionado já havia sido reposto pela IABAS - Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Organização Social que desde julho deste ano de 2016 administra inúmeras Unidade Básicas de Saúde em São Paulo, entre elas a UBS Santa Cecília).
Após frequentar algumas reuniões do Conselho Gestor da UBS/AMA Santa Cecília em agosto e setembro deste ano, soube de inúmeros e sérios problemas com a administração da IABAS: funcionários sem receber salários, auxílio-creche e vale-transporte, entre outros equívocos em relação aos direitos dos trabalhadores; falta de reposição de funcionários em férias e aposentados; telefones e pabx da UBS sem funcionamento adequado; falta de materiais para exames; etc. A falta de reposição do ar condicionado da farmácia e da sala de computação era um deles.
Na reunião em que esteve presente, o representante da IABAS afirmou que, embora o contrato com a Prefeitura de São Paulo não previsse a reposição de materiais e profissionais, verificaria a situação. Mas até o momento nada foi feito e, conforme informado pela funcionária da UBS, a farmácia permanece com apenas um ar condicionado (sempre houve dois no local), e na parte de dentro.
Neste momento chegou uma outra usuária que, ouvindo a nossa conversa, afirmou que esse era o "efeito IABAS": problemas causados na vida dos profissionais e dos usuários pela administração IABAS!
Saí da farmácia e me dirigi à sala do kit diabetes, onde recolhem lixo de pérfuro-cortantes, mas a sala já havia fechado. Conversei com um funcionário de um outro setor e ele aceitou fazer o recolhimento.
Em seguida me dirigi à recepção da UBS para marcar a consulta com a clínica geral e os exames pedidos por ela (eletrocardiograma e raio-x de tórax). Muita gente esperando e as senhas de atendimento indisponíveis. Perguntei a uma funcionária sobre a senha e ela me questionou o que eu pretendia. Assim que informei o nome da minha clínica geral, soube que apenas no começo de novembro ela terá agenda para marcar, e que os exames poderiam ser marcados na mesma data. Portanto, não precisaria ficar na fila de atendimento.
Fui então à recepção da AMA para marcar a consulta com a neurologista. Após menos de dez minutos de espera fui chamada, e a consulta marcada para dezembro. Questionei a funcionária se não havia disponível uma data anterior, pois eu precisava da receita para retirar a tiamina. A funcionária então me informou que com a consulta marcada, mesmo sem uma receita atualizada, mostrando os dois documentos juntos (receita antiga e agendamento de consulta) eu conseguiria retirar o medicamento sem problemas.
Finalmente, fui até a regulação para verificar o andamento dos pedidos de exames e atendimento para endometriose já registrados, mas eram 17h45, e o setor fecha às 17h30. Saí então da UBS/AMA Santa Cecília e, no caminho de casa, passei por uma farmácia para comprar levotiroxina de 125 mg, para não ficar sem até a próxima quarta-feira, quando retorno na UBS para verificar se a caixa de 100 mg já está novamente disponível.
Reflexões e (mais!) questionamentos:
Todas essas atividades foram desenvolvidas em menos de meia hora. Portanto, em menos de meia hora consegui retirar medicamentos, entregar para recolhimento o lixo de pérfuro-cortantes, receber informações sobre data de marcação de consulta e exames, e ainda marcar uma consulta com neurologista. Isso é atendimento integralizado, baseado na saúde e na pessoa do cidadão como um todo.
Mas, se há disponibilidade no mercado da caixa de levotiroxina sódica de 125 mg, por que essa dosagem está indisponível no SUS? E na falta da combinação da dosagem especificada em receita, não seria melhor permitir outra combinação da mesma dosagem do que deixar o usuário sem o medicamento, ou obrigá-lo a peregrinar por várias UBS's até encontrar a caixa com a "dosagem combinante" da receita? Não seria o procedimento atual uma forma de privilegiar a burocracia em detrimento do direito à saúde dos cidadãos?
Quanto à IABAS, é necessário maior diálogo com os profissionais e respeito aos seus direitos trabalhistas e à sua dignidade humana, e maior empenho para uma administração que garanta o atendimento adequado dos usuários da UBS/AMA Santa Cecília. A falta do ar condicionado na farmácia na quantidade necessária coloca em risco a preservação dos medicamentos, principalmente daqueles dispostos na parte da frente (da distribuição), e também a saúde dos cidadãos, sujeitos ao uso de medicação deteriorada pelos efeitos do calor. Queremos respeito ao direito dos trabalhadores! Queremos a reposição do ar condicionado da farmácia da UBS/AMA Santa Cecília!
Parte da frente da UBS/AMA Santa Cecília
*Abri mão da narrativa cronológica das minhas visitas à UBS Santa Cecília. Assim, em datas posteriores, poderão vir relatos de visitas anteriores.
Saiba mais sobre os relatos da UBS Santa Cecília neste link:
Leia todos os relatos da UBS Santa Cecília neste link:
3 comentários:
Comentário de Patricia Silva na Rede HumanizaSUS (http://www.redehumanizasus.net/95393-relatos-da-ubsama-santa-cecilia-o-efeito-iabas):
Olá querida Debora, mais um depoimento que nos provoca a vir para o diálogo.
Não sei mesmo se é efetivo o uso de diversos comprimidos em menor dosagem, ao invés de um só com a dosagem completa. Na teoria seria a mesma coisa, mas em se tratando de organismo vivo, não sei se a matemática dá conta. O que sei é que cada medicamento além da substância chamada princípio ativo, há substâncias outras que participam da composição, e não sei qual seria a influencia destas outras na saúde de quem as ingere. Deste modo, seria diferente tomar vários comprimidos ou apenas um, mesmo que a dosagem do princípio ativo somasse a mesma coisa...? Mas reafirmo, é uma visão leiga, não entendo praticamente nada sobre farmacologia.
Quanto aos atendimentos que você descreveu, fiquei pensando que cada unidade pratica suas regras internas e que, muitas vezes, estas se sobrepoem à necessidade do usuário. Em especial, me chamou a atenção, a questão de horários diferentes para o funcionamento de diversos setores dentro de uma mesma UBS. Já que está aberta, não deveriam todos os espaços estarem funcionando a serviço do usuário?
Em muitas situações, que você tem relatado aqui, há sempre uma necessidade de contar com a "boa vontade" de alguém para obter o que precisa. Isto, muitas vezes, gera muitos conflitos, caso o usuário se depare com alguém que não tem a referida "boa vontade". Mais uma vez, me parece que há necessidade de uma gestão mais ampla sobre os serviços e com um fluxo de atendimento mais atento as necessidades do usuário do que para particicularidades do serviço.
O que você acha?
Quanto ao ar condicionado com defeito? Só tenho a dizer o seguinte: com base na possibilidade de agilidade dos processos de gestão e manutenção, possibilitados na iniciativa privada, é que terceirizam a gestão das UBS e culpabilizam os processos públicos "engessados", tendo como primissa a licitação, como a inoperância dos serviços e administrações públicas... cadê a tão decantada agilidade na solução dos problemas de manutenção anunciada pela gestão privada das UBS?
Bjs Pat
E a minha resposta:
Pat querida.
Levei esse "caso" para uma das aulas na Faculdade de Saúde Pública da USP, em que o foco do debate era a fragmentação do cuidado em saúde no sistema público (no sistema privado esse é o modelo), e uma das observações feitas foi justamente essa: da possibilidade de efeitos adversos ou de não eficácia da dose fracionada. O fato é que essa questão não foi nem cogitada pela funcionária que me atendeu, ou, se ela cogitou a hipótese, não fez questão de conversar comigo sobre ela.
Minha intenção ao questioná-la (e também ao escrever esse post), mais do que tentar receber a dose fracionada, era colocar em questão a normalização da falta de medicamentos na UBS. Hoje estive novamente na UBS e a levotiroxina de 100 mg continua faltando (também não há seringas nem lixo de pérfuro-cortantes, integrantes do kit diabetes). A funcionária que me atendeu hoje relatou que há dez anos essas faltas não eram tão frequentes. Por que agora são, e por que isso se tornou a regra, o "normal"?
Na aula da FSP debatemos outras hipóteses: se há levotiroxina em outra unidade, e sabendo da falta na UBS Santa Cecília, a funcionária não poderia ter providenciado a reposição fazendo contato com outra UBS? Ao menos poderia ter me indicado em qual unidade básica eu conseguiria retirar a levotiroxina, mas ela se limitou a dizer "busque em outra". Eu não me importaria de ir a outra UBS retirar o medicamento, mesmo que isso significasse tempo a menos para outras atividades do meu quotidiano, contanto que tivesse certeza que receberia a levotiroxina. Percorrer UBS's a esmo, sem saber se terei acesso ou não ao medicamento, está completamente fora das minhas possibilidades reais de tempo. Esse episódio revela como estamos presos a formalidades, aos fluxos de serviços, em detrimento da responsabilização pelo cuidado integral do usuário através das redes de saúde.
Mas também há a questão da falta de tempo dos profissionais, assoberbados com múltiplas tarefas. Talvez a funcionária não tivesse tempo também, seja para contatar outra unidade para me encaminhar, seja para providenciar a reposição do medicamento na UBS Santa Cecília. Uma colega da FSP compartilhou conosco uma experiência parecida, mas com solução diferente: um usuário apresentou uma receita com a dose borrada da medicação, quase ilegível. A princípio a funcionária que o atendia recusou o fornecimento, mas essa amiga (que é gestora da unidade) se dispôs a entrar em contato com o médico (particular) para conferir a dose prescrita e, depois de escrever um relatório explicativo informando toda a situação, dispensar o medicamento. Ela perdeu boa parte de sua tarde de trabalho fazendo isso, e foi maltratada e xingada tanto pelo médico prescritor quanto pelo usuário, que recebeu sua medicação.
O número insuficiente de funcionários também é o motivo da sala do kit diabetes permanecer aberta apenas em alguns horários, confirmei isso hoje: a pessoa que nos atende lá (a Alzira, que está de férias agora, gerando mais um problema, pois não há reposição de funcionários em férias, como relatei nesse post) trabalha em outro setor.
Como você bem observou, a questão não é gerencial-administrativa, mas ético-política: o que chamamos de "boa vontade", na verdade, é o compromisso de alguns funcionários e gestores com a saúde integral dos usuários como norte do trabalho, ainda que represente uma quebra desses fluxos de serviços. É o triunfo do trabalho vivo sobre o trabalho morto (no sentido técnico e figurativo). E é esse compromisso com a promoção da vida é que faz o "SUS que dá certo". Mas com a fragmentação, dentro de uma mesma UBS, o SUS só dá "meio certo".
Seguimos lutando pelo SUS como um sistema garantidor de acesso à saúde integral e integrado!
Beijos,
Débora
Transporto para cá os comentários feitos a este post quando compartilhado no meu mural do facebook, com a devida autorização de suas autoras:
"Suzana: Débora, posso te dizer que não houve avanços notáveis desde aquela reunião que participamos no conselho gestor. Cada mês é uma surpresa nos pagamentos. Os consultórios médicos continuam sem ar condicionado. A lista de medicações em falta aumenta. Eu escuto mais queixas relacionadas a marcação e falta de medicamentos e insumos que as queixas clínicas dos pacientes. Particularmente, eu teria já que mudar meu dia de atendimento, mas não tenho nada oficial sobre isso. Realmente desanimador, fica difícil continuar.
Débora Aligieri: Por isso resolvi trazer esse assunto pros blogs e pra cá, precisamos que essa conversa com a IABAS aconteça. Fiz alguns contatos anteriores com a ouvidoria e com o Conselho Municipal de Saúde, vou tentar contatá-los novamente. Apesar de todos esses problemas, neste mesmo dia consegui retirar medicamentos, entregar para recolhimento o lixo de pérfuro-cortantes, receber informações sobre data de marcação de consulta e exames, e ainda marcar uma consulta com a neurologista (consegui para o meio de dezembro). Mas tudo isso só aconteceu porque os funcionários estão encontrando formas de contornar os problemas da gestão e, quando não conseguem ou não se empenham para além de suas funções habituais, nós usuários ficamos sem o atendimento necessário. Saúde é um direito, dos usuários e dos trabalhadores. Temos que seguir lutando por este direito!
Suzana: Quanto à marcação de consultas, a agenda é aberta no meio do mês para o mês seguinte. Os pacientes tem que voltar pessoalmente para marcar a consulta. As agendas estão cada dia mais cheias e sempre atendo pacientes que perderam o convênio ou não podem pagar um. O próximo secretário de saúde vai oficializar o "overbooking". São marcados 40 pacientes para serem atendidos no máximo 36. Os encaixes serão inexistentes e haverá risco de pacientes marcados não serem atendidos."
"Cris: Estamos voltando para a revolução industrial! Trabalho 16h e dorme 8h ou menos na própia fábrica, revesando a cama no que se chamou de camas quentes. As crianças nasciam dentro da fábrica e trabalhavam quando começavam a andar.
Bem estamos voltando para o esquema de construção de pirâmides.
Bem... podemos assistir Mad Max para vislumbrar o que vai ser pós PEC do mal."
"Elizabete: Boa tarde a todos, sou usuária dessa unidade e também participo assiduamente as reuniões do Conselho Gestor. Muito entristece quando nos deparamos com pessoas intransigentes e despreparadas para gerir uma complexidade como a saúde. A situação está caótica medicamentos em falta digo por mim que tenho pressão alta e há 2 meses não consigo todos os remédios dos 4 que tomo diariamente para este fim, somente 1 está disponível, lamentável. Darei um exemplo que para todos é banal, sou cadeirante e já fiquei várias vezes presa no elevador, como também tive que utilizar sem lampada (olha a situação de ficar presa naquele espaço entre os andares e as escuras com pessoas que as vezes nem conhecemos). Sabe que pode contar comigo Débora, juntas temos mais força."
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