segunda-feira, 23 de março de 2015

Direito à saúde e o cuidado de si

Em 1986 fui diagnosticada com diabetes tipo 1, e iniciei meu tratamento com injeções diárias de insulina. De lá para cá, algumas complicações e condições associadas à doença (retinopatia, neuropatia e hipotireoidismo) acarretaram o aumento do número de medicamentos que utilizo diariamente. Com a progressão da idade e do tempo de diagnóstico (tenho 38 anos de idade e 29 de diabetes), meu endocrinologista acrescentou mais drogas à minha terapia com a finalidade de prevenir novas complicações, principalmente problemas cardíacos, já que o diabetes é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares (1).

Quando recebi as prescrições do meu médico, não o questionei acerca de outras opções de tratamento, pois acreditava em sua "autoridade" técnica. Mas de uns tempos pra cá, e como sempre conversamos bastante sobre essas mesmas questões técnicas em relação à minha saúde, comecei a pensar que talvez devêssemos discutir mais e tentar buscar soluções diferentes de medicamentos, nos casos possíveis.

Desde a hora que acordava até dormir eu tomava diariamente as seguintes medicações (além da insulina, que hoje uso através de bomba de infusão): levotiroxina sódica (para hipotireodisimo), benfotiamina (para dores neuropáticas), cloridrato de sertralina (para síndrome da tensão pré-menstrual), sinvastatina, ramipril, ranitidina e AAS (para prevenção de problemas cardíacos). Em função das coólicas menstruais, também tomava cetoprofeno 3 dias antes do início do ciclo menstrual, e diclofenaco durante a menorreia.

Meu questionamento inicial se deu em relação à sertralina e à sinvastatina, assunto que tratei no texto "A medicalização da profissão jurídica: até onde aguenta o coração dxs advogadxs?" (2). Mas durante a última consulta com meu endocrinologista percebi que gostaria de entender melhor porque usava todas as drogas listadas, e se haveria alternativas não medicamentosas que atingissem os mesmos objetivos: o cuidado com a minha saúde.

A sertralina foi prescrita por uma queixa minha em relação a períodos prolongados de stress e nervosismo, que descontrolavam a minha glicemia. Lembro que durante uma tentativa de abandonar o hábito de fumar, a dosagem foi até aumentada. Mas mudando alguns hábitos e organizando melhor o meu trabalho, cheguei à conclusão de que poderia tentar prosseguir sem o calmante/antidepressivo. 

Assim, eu e meu médico decidimos baixar a dose da sertralina e, num período de 45 dias, programar a suspensão da medicação da seguinte forma: a dosagem de 50 mg baixou para 25 mg, que nos primeiros 15 dias tomarei diariamente, e nos 30 seguintes em dias alternados, e depois suspendo. Uma receita de 50 mg ficou comigo caso aconteça algum problema (meu médico relatou que algumas pessoas, além do desconforto psicológico, passam por problemas físicos como tontura, sensação de movimentação do solo, etc, quando abandonam o uso da sertralina).

Quanto à sinvastatina, ele me explicou que a intenção é deixar o colesterol ruim (LDL) mais abaixo do recomendado normalmente (100mg/dl) em função do risco que o diabetes representa para o aparecimento de problemas cardíacos, que as estatinas tem um efeito bastante agressivo nessa queda. O objetivo preventivo de valor do LDL é verificado conforme a seguinte conta: (triglicérides/5) + HDL - colesterol total = -80 (ou abaixo). Pelos meus valores atuais, o LDl está no limite pretendido: [(triglicérides)36/5] + (HDL)71 - (colesterol total)159 = - 80.8 mg/dl

Perguntei se modificando a dieta alimentar e praticando exercícios regularmente eu não conseguiria os mesmos resultados, e ele me disse que, embora achasse difícil, poderíamos tentar. Então suspendemos a sinvastatina, e mudei um pouco a minha alimentação (reduzi drasticamente o consumo de queijos amarelos e de carnes vermelhas, e substitui por queijo cottage e peixes assados - a fritura, ainda que seja com azeite, aumenta o LDL). E consumo bastante frutas e verduras.

Já havia incorporado a prática de exercícios (de musculação e aeróbicos) à minha rotina diária desde o diagnóstico de neuropatia. Particularmente a musculação auxilia bastante na redução das dores nas pernas. Mas acabei percebendo que depois disso, as coólicas menstruais também diminuiram (talvez em função dos exercícios abdominais), dispensando a utilização do cetoprofeno.

Quanto ao AAS, descobri que sou uma das únicas pacientes diabéticas dele com essa prescrição, e a indicação motivou-se no meu hábito de fumar. Assim, se eu parar de fumar (consegui reduzir, não consegui parar ainda), também não precisarei mais tomar o AAS todos os dias.

Sobraram ainda o ramipril (indicado para casos de hipertensão) e a ranitidina (indicada para úlceras no duodeno) - diagnósticos que não tenho. Estes medicamentos, olvidados da nossa conversa durante a consulta, serão debatidos por e-mail, e também no nosso próximo encontro, em que saberemos se a dieta alimentar e os exercícios funcionaram como bons substitutos da sinvastatina, e se eu consegui ficar psicologicamente e fisicamente bem sem a sertralina.

Direito à saúde no cuidado de si é conseguir conquistar opções que melhor se adaptam à realidade de cada um, o que não se restringe à prescrição técnica de determinados medicamentos, mas inclui a participação d@ paciente de forma democrática na identificação e escolha dessas opções, valorizando a autonomia que cada pessoa tem para trilhar a vida e buscar a felicidade, justamente a partir dessas escolhas. 

É por essa conquista democrática, de relacionamentos sem autoridade - mas com respeito e valorização do dialogismo entre os conhecimentos d@s pacientes e d@s profissionais de saúde - que tod@s nós interessados na humanização da saúde e numa vida melhor - considerando o sujeito em sua individualidade - que devemos lutar, em todas as instâncias, públicas e privadas.




Referências:

(1) Diabetes é uma das principais causas para doenças no coração - http://coracaoalerta.com.br/noticias/diabetes-e-uma-das-principais-causas-para-doencas-no-coracao/

(2) Texto disponível no link: http://deboraligieri.blogspot.com.br/2015/02/a-medicalizacao-da-profissao-juridica.html

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