quarta-feira, 17 de maio de 2017

Nota técnica da SES-SP é arbitrária e dificulta acesso à assistência farmacêutica do SUS

Desde abril de 2017, a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) vem exigindo a apresentação periódica (a cada 4 meses para insumos e medicamentos, e a cada 6 meses para produtos de nutrição) de receitas médicas para o acesso à assistência farmacêutica do SUS nas unidades de atendimento judicial e administrativo do Estado.

A partir da Nota Técnica CAF no 02, de 31 de janeiro de 2017, a SES-SP vem condicionando o fornecimento de insumos e medicamentos, mesmo os originários de ordens judiciais, à apresentação de receita médica contendo: identificação do Serviço de Saúde com nome, endereço e telefone; nome completo do paciente; Denominação Comum Brasileira (DCB) ou a denominação genérica do medicamento sendo vedado o uso de abreviaturas ou códigos; denominação botânica para medicamentos fitoterápicos; prescrição individual, escrita em caligrafia legível, à tinta ou digitada, sem rasuras e/ou emendas, observadas a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais, indicando a forma farmacêutica, a concentração, a dose, o modo de usar e a duração do tratamento; data de sua emissão, identificação (nome completo e número do registro no conselho de classe correspondente, impresso, carimbo ou de próprio punho) e assinatura do prescritor (item 3 da nota técnica). 

Essa é uma medida que vem dificultando o acesso dos usuários aos medicamentos e insumos no Estado de São Paulo, já que nem todos conseguem marcar as consultas dentro dessa periodicidade, sendo que alguns profissionais se recusam a emitir prescrições sem consulta médica. Conforme relatos nos grupos de facebook, na prática a SES vem exigindo até outras condições arbitrárias, sem amparo legal da norma. Uma usuária reclamou da não aceitação de sua receita médica em papel almaço e sem logotipo, mesmo contendo todas as informações requeridas na nota técnica mencionada.

Mas na Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde não há tantas exigências assim. Conforme seu artigo 3º, parágrafo único, inciso VI, as prescrições e receitas médicas devem conter: o nome genérico das substâncias prescritas; clara indicação da dose e do modo de usar; escrita impressa, datilografada ou digitada, ou em caligrafia legível; textos sem códigos ou abreviaturas; o nome legível do profissional e seu número de registro no conselho profissional; e a assinatura do profissional e a data. 

Considerando as dificuldades de acesso criadas pela nota técnica da SES-SP, bem como a atualização colaborativa da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (saiba mais aqui: http://diabetesedemocracia.blogspot.com.br/2017/05/participe-da-consulta-publica-para.html), que tal aproveitarmos a oportunidade para sugerir um segundo parágrafo ao artigo 3º, dispondo sobre a impossibilidade de estabelecimento de outras condições para além das previstas no inciso VI para condicionar o acesso aos serviços da assistência farmacêutica do SUS? 

Com essa previsão na norma federal, a nota técnica regional perde validade. Essa é uma forma de garantirmos nosso direito de acesso aos insumos e medicamentos sem barreiras burocráticas arbitrárias, no Estado de São Paulo e em todo o Brasil! 

Vamos lá então redigir nossa contribuição?




Anotação posterior à publicação do post:

Em 22 de maio de 2017 enviei as reflexões desse post à Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo via twitter. 



No último dia 21 de agosto, quando estive na Unidade Distribuidora Tenente Pena, recebi um informativo sobre mudanças na validade da receita para insumos e medicamentos: ao invés de 4 meses, agora a receita vale por 6 meses, tempo de espera para consulta na rede pública de saúde, como havia apontado no post, a partir do comentário da endocrinologista e amiga Suzana Vieira. 



Resultado interessante, e que mostra como uma argumentação baseada na realidade do SUS pode evitar injustiças, e contribuir para que a racionalidade do acesso não se transforme em racionamento do acesso à assistência farmacêutica.

Também mostra como uma abertura maior da gestão à participação dos profissionais e dos usuários na construção das políticas de saúde poderia conferir maior equidade e eficiência justa (racionalizando sem dificultar o acesso) à atenção em saúde.

5 comentários:

Unknown disse...

Ao ir retirar meus insumos na Unidade Dispensadora Tenente Pena fui avisada que se não levasse receita na próxima não poderia retirar. Fiz de tudo para conseguir uma receita antes de um mês e não consegui.Se tenho convênio, imagino quem não tem... Como não consegui a consulta passei pra fila de espera do encaixe, fui encaixada pra uma consulta expressa aonde nem tive tempo de conversar com a médica, pois como tenho 2 processos foram 2 receitas. Ao levar as mesmas a pessoa que me atendeu disse que teria que refaze-las pois não estavam bem escritas e mencionavam a quantidade total mensal e não diária... Eu tenho que refazer???? Como assim??? Quem prescreveu a receita foi minha médica!!!! Eu continuava tendo minha consulta marcada aonde pretendia conversar a respeito da minha saúde e que seria antes do próximo retorno à unidade... Novamente voltei a minha médica, que ficou aborrecida e resolveu escrever as receitas no computador e imprimir... Aí aconteceu o inacreditável: ao voltar para pegar meus insumos a atendente disse que não poderia aceitar minha receita pois essa não veio escruta a mão... Novamente levei os insumos e terei que procurar a endocrina. 1º)Na nota técnica está escrito que pode ser datilografada e impressa sim. 2º) Como se vira quem não tem plano de Saúde? 3º) Gostaria muito de poder ir a médica fazer uma consulta e não pra pedir receita. 4º) Me sinto insegura e de saco cheio#prontofalei#

Débora Aligieri disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Débora Aligieri disse...

Karina querida, obrigada por deixar esse comentário que tão bem materializa as dificuldades por que várias pessoas estão passando para ter acesso aos insumos e medicamentos necessários à sua sobrevivência, como vemos em muitos relatos no facebook. A propósito, deixo aqui o link do mural da ativista Aureloyse Maximo, onde há outros relatos bem parecidos com este seu, sobre a avaliação arbitrária da adequação das receitas, sem qualquer amparo legal: https://www.facebook.com/aure.maximo/posts/1787770351249911?notif_t=mention&notif_id=1495497830175252. No seu caso, como você bem observou, a nota técnica permite a apresentação de receita digitada. Por que então a sua foi recusada? E a minha, também digitada, foi aceita. Então estamos sendo tratados de forma diferenciada na mesma situação? Fica bem claro que a intenção é mesmo dificultar o acesso dos usuários à assistência farmacêutica, gerando demandas de consulta nos serviços públicos e privados de saúde. E conforme comentário da endocrinologista Suzana Vieira, também no facebook, para renovar uma receita no SUS o usuário tem que tentar um encaixe com o médico. Para endocrinologista, a vaga para consulta está em aproximadamente seis meses (https://www.facebook.com/debora.aligieri/posts/10154595807272361?comment_id=10154610190857361&notif_t=feed_comment&notif_id=1495914468534121). O que fazer nesses casos, se a receita deve ser trocada a cada 4 meses? Essas pessoas ficarão sem a medicação e/ou insumos?

Unknown disse...

Debora, boa tarde.
Estive hoje na UDTP para retirar as insulinas e insumos que o meu marido faz uso e fui inquirida pela atendente sobre a receita. Questionei, pois o caso do meu marido é decisão judicial.
A mesma informou que é "pra todo mundo" independente se tem processo ou não.
Eu disse à ela que iria verificar na nota técnica se consta expresso lá que quem possui decisão judicial precisa também ficar levando receita médica.
Quero saber como garantir o recebimento da medicação e dos insumos sem impedimento, pois no caso seria um descumprimento de ordem judicial.

Débora Aligieri disse...

Olá, Luciana. A nota técnica da SES não especifica os casos em que a presentação da receita seria necessária, ou seja, pode ser considerado que é mesmo para todos os casos. Assim, é preciso verificar o que diz a decisão judicial, muitos juízes também atrelam o fornecimento à apresentação periódica de receita. Eu também retiro os meus insumos da bomba na UDTP em função de ordem judicial e na minha sentença não há menção à apresentação de receita. Mesmo assim, e considerando que a medida (quando colocada em prática sem arbitrariedades)pode racionalizar o fornecimento, venho apresentando a minha receita (agora mudou para cada 6 meses nos casos de diabetes). O problema aqui para mim não é exatamente apresentar a receita, mas exigir o cumprimento de condições não especificadas na norma (portanto, arbitrárias), dificultando assim o acesso à assistência farmacêutica. Neste momento, mesmo com receita, faltam quase todos os insumos na Tenente Pena (só dispõem de reservatório). E o Governo do Estado está propondo o congelamento dos investimentos estaduais em saúde. Não podemos aceitar essa proposta, tampouco o fornecimento errático de insumos necessários à nossa sobrevivência! Temos que protestar nas rede e contra a própria Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo. O Dia Mundial do Diabetes é propício pra isso: um dia de luta por nossa sobrevivência e por nossos direitos! Abraços.