sexta-feira, 29 de julho de 2016

Judicialização da saúde como recurso legítimo para a redução do distanciamento entre o direito vigente e o direito vivido

Car@s amig@s
Compartilho nesse post o texto base do seminário sobre Judicialização da Saúde, preparado para aula da disciplina de Regionalização e Regulação das Redes de Atenção à Saúde, da Faculdade de Saúde Pública da USP, a partir da leitura do texto “Judicialização da saúde, acesso à Justiça e a efetividade do direito à saúde”, de Miriam Ventura, Luciana Simas, Vera Lúcia Edais Pepe e Fermin Roland Schramm.
Confesso que temia um pouco esse debate pois, com exceção do artigo "A judicialização pode salvar o SUS" (Sônia Fleury), todos os textos acadêmicos que havia lido até então sobre o assunto defendiam a judicialização como uma ferramenta de promoção de iniquidades, muito distante da realidade que vivencio como advogada e beneficiária de uma ordem judicial na área do Direito da Saúde: a defesa do SUS e do direito integral à saúde, de forma concomitante.

Há algum tempo vinha sentindo uma certa tristeza face às ordens judiciais de fornecimento de assistência pelo SUS ao cidadão ou à cidadã que me procurava, pois mesmo acreditando nas ações judicais de saúde como uma forma de controle social e de redução da distância entre a lei e as práticas da saúde pública, sempre fiquei consternada com a ideia de intervenção na previsão orçamentaria do Estado. Cheguei a pensar em desistir de advogar na área em função disso.
Assim, fiquei muito grata com a indicação de leitura desse artigo pela Profª. Marília Louvison, pois ele me lembrou por que comecei a advogar na área de saúde, e propondo ações contra o SUS, sistema de saúde que tanto admiro e defendo: porque acredito nessas ações como uma ferramenta de controle social para aperfeiçoamento do SUS e como forma de disputa legítima pela integralidade, universalidade e igualdade do sistema, ainda que através de ações individuais que, quando se repetem de forma significativa (como acontece no caso dos pedidos de análogos de insulina para portadores de diabetes tipo 1), revelam uma necessidade correspondente à coletividade.
Antes do texto, indico dois links com dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ sobre a judicialização da saúde:
Número de ações de saúde no Brasil: 330.630 (dados de junho de 2014 - http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/demandasnostribunais.forumSaude.pdf)
Pesquisa "Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiências" (2015): http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c1e491a565006.pdf 

Judicialização da saúde como recurso legítimo para a redução do distanciamento entre o direito vigente e o direito vivido

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a saúde como direito universal, integral e equânime como um direito de todo cidadão brasileiro, e dever do Estado. Desde então, sempre que o cidadão encontra alguma barreira ao acesso ao seu direito à saúde, o Poder Judiciário interfere para conferir concretude a este direito. Essa busca do Poder Judiciário como via de acesso aos tratamentos de saúde foi denominada como judicialização da saúde, que vem crescendo no Brasil desde as primeiras ações para fornecimento da terapêutica para pacientes com HIV/AIDS, que resultou em aperfeiçoamento da atenção pelo SUS, conferindo a essas ações a qualidade de controle social exitoso.

Segundo dados de 2014 do Conselho Nacional de Justiça, em todo o Brasil há quase 400 mil processos referentes a demandas de saúde. Essa é uma situação preocupante sob vários aspectos, pois os números podem indicar tanto falhas nos programas de saúde quanto pressões da indústria farmacêutica para a incorporação de seus produtos ao SUS através de ordens judiciais, a depender do viés da análise sobre o fenômeno.

Com exceção do artigo “A Judicialização pode salvar o SUS” de Sonia Fleury, boa parte das análises sobre a (contra)regulação do sistema de saúde através de ações judiciais abordam a alegada iniquidade produzida pela facilitação do acesso a tratamentos diferenciados a pessoas representadas por advogados particulares em detrimento dos demais pacientes, e ainda na interferência do Poder Judiciário na previsão orçamentária do Estado. Tais conclusões mostram-se comprometidas por deixar de analisar o papel das Defensorias Públicas, que vem atuando ao longo dos últimos anos na área de saúde em favor dos economicamente hipossuficientes, e ainda por ignorar a função de controle social dessas ações judiciais.

Contrariando este padrão enviesado de análise, no texto “Judicialização da saúde, acesso à Justiça e a efetividade do direito à saúde”, os quatro autores – três deles pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, sendo duas profissionais da área do Direito, uma da área de medicina e o quarto com graduação em letras – abordam o fenômeno da judicialização da saúde pelo viés do acesso à justiça e ao direito à saúde, iniciando a reflexão sobre o tema justamente a partir da dificuldade de se conceituar saúde e direito à saúde.

O texto traz alguns dos argumentos comumente presentes nas peças jurídicas tanto de autores-pacientes como de representantes das Secretarias de Saúde e das Fazendas do Estado e do Município, entre eles a força do marketing e do lobby da indústria farmacêutica na indução de demandas (criando necessidades) pelo lado de quem contesta, e do enorme descompasso entre as inovações e incorporações tecnológicas em saúde ao SUS associado à burocratização do sistema de atualização dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, pelo lado de quem faz os pedidos judiciais.

O ponto de partida da análise são os fundamentos jurídicos básicos das ações que demandam e das decisões judicias que conferem tratamentos de saúde: o direito constitucional de acesso à saúde de forma universal, integral e igualitária garantido pelos artigos 196 a 200 da Constituição Federal, sob responsabilidade concorrente dos entes da federação brasileira.

Trazendo um brevíssimo histórico da judicialização da saúde a partir dos processos relativos ao tratamento de HIV/AIDS nos anos 90, o artigo cita esses casos como um exemplo de eficácia da influência das decisões judiciais sobre a ampliação do acesso à saúde mediante a elaboração de políticas públicas a partir dessas demandas. O caso do HIV/AIDS, pioneiro da judicialização da saúde, não é o único, mas com certeza o mais exitoso em termos de conquista do direito coletivo à saúde. A redução das ações judiciais referentes ao tratamento desta doença se deu na medida proporcional à incorporação de tecnologias ao SUS para o tratamento de pessoas soropositivas, incluindo a quebra de patente do coquetel anti-AIDS.

Ainda na parte introdutória, o texto menciona que os estudos sobre judicialização da saúde são focados na iniquidade resultante do atendimento a pessoas com melhores condições sócio-econômicas para contratar advogados particulares, mas é necessário considerar que estas análises ou são elaboradas antes da criação das defensorias públicas estaduais ou desconsideram a atuação delas, ou seja, as conclusões tornam-se parciais por deixar de analisar a atuação de um importante órgão de defesa de pessoas mais pobres. Outro foco desses estudos é a insuficiência e deficiências das respostas do SUS e do Poder Judiciário face ao conceito ampliado de saúde e de sistema de saúde. Nesse aspecto, vale citar como exemplo a constante falta de medicamentos nos postos de distribuição regionais do SUS para tratamento de doenças crônicas que exigem uma prestação permanente, a despeito de ordens judiciais, que não conseguem modificar a forma errática do fornecimento de insumos e medicamentos.

Antes de partir para a análise propriamente dita da judicialização da saúde, o artigo identifica os efeitos das ações judiciais para a obtenção de medicamentos e tratamentos ao interferir na gestão do sistema e na alocação de recursos, face à não inclusão desses medicamentos e tratamentos na previsão orçamentária do Estado. Como efeito positivo é mencionado o aperfeiçoamento dos sistemas de incorporação, compra e distribuição de medicamentos. A criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (CONITEC) dois anos após a audiência pública sobre saúde no Supremo Tribunal Federal em 2009, em que se constatou a lentidão da atualização dos protocolos de tratamento como uma das causas do aumento de ações judiciais no Brasil, pode ser considerado um exemplo desse efeito. Como efeito negativo a judicialização da saúde pode representar a principal e indiscriminada via de acesso aos tratamentos.

Após essa introdução, os autores explicam a metodologia utilizada na análise do tema: abordam inicialmente os conceitos de saúde e de direito à saúde, em seguida relatam alguns achados da pesquisa com processos judiciais na cidade do Rio de Janeiro entre 2007 e 2008 “Judicialização e Saúde Pública: proposta de análise e monitoramento das demandas judiciais individuais para o acesso a medicamentos”, e concluem relacionando as duas abordagens ao acesso à saúde pela via judiciária.

Destacando o sentido atual ampliado de saúde, considerada como um completo estado de bem-estar influenciado pelas condições de vida e de trabalho dos indivíduos, pelas diversas conjunturas de determinado país, por aspectos ligados à organização dos sistemas de saúde, e ainda por valores sobre viver bem, o artigo identifica três dificuldades para a compreensão de saúde: a indefinição conceitual, o reducionismo biológico, e a reificação dessas noções.

O direito à saúde, reconhecido em normas legais nacionais e internacionais como um direito social (no Brasil expressamente previsto como tal no artigo 6º, da Constituição Federal), referenciado à dignidade da pessoa humana, implica em prestações positivas a que correspondem direitos e responsabilidades dos cidadãos e dos Estados. Contrariamente aos direitos de primeira geração, que pressupõem uma isenção estatal para seu gozo e exercício, os direitos de segunda geração em que se encontram os direitos sociais, requerem a ação do Estado como garantidor e promotor de sua fruição pelos cidadãos.

A partir dessa noção, o artigo também identifica três dificuldades para a tradução (no sentido de se identificar o conceito com a experiência prática) da saúde em direito à saúde: dificuldade ética na identificação da saúde como um bem a ser tutelado pelo Direito a partir de critérios universalizáveis; escolha dos meios para o alcance da saúde, com a eleição de alternativas para prevenir doenças, superar deficiências orgânicas e desconfortos da pessoa com seu próprio corpo, em um contexto social de um certo fetiche preventivista que soma à obrigação de assistência universal, integral e igualitária do Estado a função de proteção dos cidadãos contra os riscos de novidades oferecidas pelo mercado da saúde, que não raro cria necessidades para vender soluções; o embate entre as dimensões individual ou privada e coletiva da saúde, assegurando os bem-estar individual com respeito às subjetividades a um custo aceitável para a sociedade.

Para relacionar o desafio da efetividade do direito à saúde e a judicialização da saúde no Brasil, o artigo cita a afirmação de Norberto Bobbio de que o problema atual em relação aos direitos humanos não é tanto de justificá-los, mas de protegê-los. Essa ideia conversa com a crise de efetividade do direito constitucional, defendida por muitos juristas brasileiros, e que no texto é descrita como o distanciamento entre o direito vigente na lei e o direito vivido na prática. Segundo os autores, a alta intensidade da demanda judicial no âmbito da saúde reflete essa busca de aproximação, constituindo-se a judicialização uma forma de acesso aos meios de se alcançar a efetividade do direito à saúde.

Os trabalhos empíricos apontam que a demanda judicial brasileira mais recorrente no âmbito da saúde é constituída por pedidos de medicamentos, significando que a judicialização da saúde expressa problemas de acesso à saúde em seu sentido mais genérico, isto é, com uma dimensão do desempenho dos sistemas de saúde associada à oferta, e que, por esta razão, o fenômeno pode ser considerado como um recurso legítimo para a redução do distanciamento entre o direito vigente (na lei) e o direito vivido (na prática).

A judicialização traz consigo debates importantes sob o ponto de vista macro e micropolítico. No macro se discute a legitimidade e a competência técnica e/ou legal-institucional do Poder Judiciário para decidir sobre o conteúdo e o modo como a prestação estatal deve ser cumprida pelo Executivo da Saúde, assunto que foi objeto da já mencionada Audiência Pública sobre Saúde promovida pelo Supremo Tribunal Federal em 2009. No micro se analisa a tensão interna no sistema de assistência à saúde entre a autonomia do médico em sua prescrição à pessoa atendida e os regulamentos, normas sanitárias e PCDT’s, lembrando que o profissional médico é responsável pessoalmente pelos danos ou “perda de chance de cura” que causar ao paciente (a doutrina jurídica estabeleceu, através da “teoria da perda de uma chance”, que se o profissional não prescrever possíveis soluções para um problema de saúde, ainda que com resultado hipotético, confere direito de indenização à pessoa que sofreu agravos à saúde possivelmente evitáveis; perdeu-se a chance de tentar evitar o agravo).

A partir desses debates, as possibilidades de atuação do Poder Judiciário na determinação de prestações a serem cumpridas pelo SUS conformam-se de acordo com três posições sobre a eficácia do direito à saúde: 1. restrita aos serviços e insumos disponíveis no SUS; 2. autoridade absoluta do médico que assiste ao autor da ação judicial como garantia do direito à vida e integridade física do indivíduo subjetivamente considerado; e 3. ponderação de direitos, bens e interesses em jogo a partir da análise do caso concreto (princípio jurídico da ponderação). As decisões judiciais que concedem os pedidos relativos a tratamentos de saúde costumam vir fundamentadas a partir de um entendimento conjugado entre a segunda e terceira posições, havendo muitas referências em decisões dos Tribunais Superiores (STJ e STF) à ponderação entre o direito à vida digna e à reserva do possível (ao Estado), prevalecendo em regra o primeiro. As decisões judiciais que negam esses pedidos fundamentam-se na primeira posição.

Segundo os autores, a terceira posição é a que se revela mais adequada à compreensão da sinergia entre saúde e direito, na garantia ao acesso à justiça e à saúde ao cidadão, e que ainda apresenta uma vantagem sob o ponto de vista de aperfeiçoamento do SUS, por favorecer a redução de demandas judiciais, com atualização mais rápida dos PCDT’s e distribuição regular de determinada terapia.

Ainda no que tange à efetividade do direito à saúde, o artigo problematiza a judicialização da saúde e a incorporação de tecnologias, questionando como uma sociedade democrática deve solucionar o déficit entre demanda e oferta de novas tecnologias, considerando a escassez de recursos e sua justa distribuição, a partir da constatação de que essa incorporação é feita com um regular atraso e por vezes de forma acrítica, a partir da pressão de grupos associativos organizados. A solução apontada é o fortalecimento das instâncias institucionais, através de ampla transparência e participação dos diversos atores sociais nos processos regulatórios das novas tecnologias como forma de legitimar as restrições absolutamente necessárias.

Conclui-se assim que o direito à saúde possui dimensões éticas, políticas, jurídicas e técnico-científicas indissociáveis, e que compreender como vem se dando as relações e os diálogos entre essas dimensões na produção da base normativa que orienta leis, políticas e práticas de saúde é um passo importante em favor da efetividade do direito à saúde ou, ao menos, para a ampliação do acesso à justiça e à saúde.

Em seguida, o artigo passa à análise da pesquisa sobre judicialização da saúde no Município do Rio de Janeiro, com foco no acesso a medicamentos, a partir de dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em processos que tem o Estado do Rio de Janeiro como réu, com o objetivo de identificar variáveis que possam evidenciar características dos demandantes – em relação à ideia de hipossuficiência econômica (beneficiários ou não da gratuidade de justiça) – e das demandas judiciais (se houve decisão liminar, que antecipa os efeitos da sentença, ou não), possivelmente aplicáveis a demandas de medicamentos em geral no Brasil.

Esse é o grande diferencial do artigo: ao analisar os dados sobre pedidos de gratuidade da justiça, os autores focam seu olhar na assistência jurídica gratuita através da atuação da Defensoria Pública nos processos de saúde, relacionando acesso à justiça com acesso à saúde, partindo da premissa de assistência jurídica como direito fundamental do cidadão, o que confere à criação das Defensorias Públicas o caráter de conquista democrática no acesso da população ao Judiciário, já que, com exceção de processos movidos perante os Juizados Especiais e Habeas Corpus, apenas advogados tem capacidade postulatória (somente advogados habilitados podem dirigir pedidos ao Poder Judiciário, daí a definição no artigo 133 da Constituição Federal do profissional do direito como indispensável).

Os dados da pesquisa revelaram que o reconhecimento judicial da hipossuficiência econômica do reivindicante é uma característica majoritária da demanda judicial de medicamentos, o que representa o entendimento também majoritário entre Juízes de que o SUS se destina à camada mais pobre da sociedade brasileira, criando um critério discricionário e inconstitucional de exclusão sócio econômica de acesso ao direito à saúde, já que a universalidade é um dos princípios constitucionais do SUS (artigo 196). A incapacidade de custeio do tratamento pleiteado é depreendida da própria declaração de pobreza do autor da demanda. Segundo os autores, a análise dessa variável contesta a afirmação generalizada na academia de que a judicialização da saúde viola a equidade no acesso à saúde, na verdade apontando que ela tem favorecido o acesso ao sistema público de cidadãos sem condições de arcar com os custos de seus medicamentos e da demanda judicial.

Na análise da segunda variável (pedidos liminares), observando que a antecipação da tutela judicial é ato de caráter excepcional na lei processual brasileira, os dados revelam que no âmbito da demanda judicial de saúde a concessão de liminar é rotineira, e que em 100% dos casos analisados foi concedida. Considerando a natureza dessas demandas (direito à saúde, indissociável do direito à vida), acompanhada da característica de necessidade urgente (como no caso de doenças crônicas, por exemplo, em que o tratamento envolve a constância de cuidados, muitas vezes já em andamento) ou de risco imediato (prevenção de agravos de saúde), talvez possa se entender porque os pedidos e concessões de liminares são praticamente uma regra nas demandas de saúde. E são justamente esses os fundamentos lógico-jurídicos que embasam a concessão de medicamentos via ação judicial, conforme revelam os dados da pesquisa. O principal critério judicial para a concessão da tutela, segunda a pesquisa, é a constatação da necessidade do autor de acesso urgente a determinado medicamento ou procedimento prescrito pelo médico que o assistiu, o que também evidencia a soberania da prescrição médica individual e a não relativização de seu conteúdo com regulamentos e normas sanitárias, que são por seu turno demasiadamente generalizadas, sem possibilidade de flexibilização para situações consideradas como exceções, e que muitas vezes caracterizam a subjetividade do caso em concreto sob análise na demanda judicial.

Mencionando os estudos sobre judicialização da saúde, o artigo afirma que os dados da pesquisa analisada corroboram as conclusões desses estudos sobre o desconhecimento do sistema de justiça (dos operadores do direito) acerca dos argumentos e regulamentos da saúde pública, em especial em relação ao uso racional de medicamentos na perspectiva da proteção e segurança do paciente, e os problemas referentes às prescrições médicas que não atendem às exigências de segurança e eficácia necessárias ao tratamento da pessoa. Mas também aponta a necessidade de ampliar as análises sobre a judicialização da saúde como forma de acesso ao direito à saúde pela população carente, através da atuação das Defensorias Públicas do Estado, identificadas como um elo importante na garantia do acesso à saúde, como um espaço de tensão entre os conceitos de saúde e doença, e ainda como possibilidade de diálogo entre diversos campos relacionados à saúde.

Finalizando a exposição dos pontos analisados ao longo do texto, o artigo sintetiza a abordagem da judicialização da saúde com as seguintes propostas de análise para a ampliação dos debates sobre o assunto:

- a lei constitucional admite que qualquer cidadão que se sinta ameaçado ou lesado, em razão de não inclusão de um medicamento mais adequado para sua terapia no protocolo terapêutico, pode ingressar com ação judicial, requerendo o exame judicial do conflito;

- o acesso à justiça pressupõe não só a adequada prestação jurisdicional, como também o próprio acesso ao Judiciário, garantido universalmente através do acesso aos benefícios jurídicos (como o da gratuidade processual, e da celeridade processual em casos de saúde, não abordada no artigo);

- a dificuldade de estabelecer a coerência entre o direito vigente e o direito vivido, considerando os princípios do SUS e as desigualdades sociais frente às deficiências regionais do sistema no atendimento às necessidades dos usuários;

- o princípio democrático assegura a ativa participação e consideração dos interesses de todos os sujeitos de direito, também no processo de identificação de prioridades na tomada de decisões, no planejamento, na implementação e na avaliação das políticas públicas, e não simplesmente na eleição de representantes, constituindo a judicialização da saúde uma ferramenta de exercício democrático da cidadania direta, de controle social das políticas públicas de saúde, como estratégia legítima para a defesa, promoção e garantia de direitos;

- considerando que a legitimidade do poder político não está restrita à representatividade, a judicialização da política é potencialmente favorável à ampliação dos mecanismos de participação e garantia de direitos frente à insuficiência ou deficiências dos canais institucionais de controle social e de participação social.

Em conclusão, segundo os autores, a judicialização da saúde traz modificações significativas nas relações sociais e institucionais, mas representa o exercício da cidadania plena e a adequação da expressão jurídica às novas e crescentes exigências sociais, que podem trazer consigo a valorização da saúde pública enquanto direito social comum a todos.

Débora Aligieri

1 comentários:

Débora Aligieri disse...

Registro aqui mais algumas reflexões:

Embora permaneça acreditando nas ações judiciais como forma de controle social e efetivação do direito à saúde, comecei a perceber que é necessário um aperfeiçoamento na forma de se propor essas ações, para que elas alcancem seu objetivo mediato, para além dos efeitos no processo (e do alcance limitado aos autores da ação): melhorar a assistência pública em saúde. Depois de uma aula fantástica sobre conceito de política pública em direito e federalismo na Faculdade de Saúde Pública da USP (estou cursando a disciplina de Política e Gestão em Saúde como aluna especial) com a Sueli Dallari, uma sumidade na área de direito sanitário, cheguei à conclusão de que preciso modificar o formato das ações que proponho, para que, além de buscar o atendimento à saúde para a pessoa que defendo, consiga produzir efeitos para outras pessoas (integralidade, equidade e universalidade para todos os usuários do SUS que não se encaixam em padrões dos PCDT's, principalmente pessoas com diabetes tipo 1), e também atender à diretriz da responsabilidade solidária (costumo acionar apenas um dos entes federados, quando União, Estados e Municípios são solidariamente responsáveis pelo financiamento do tratamento). Acredito que é através do debate que colocamos o assunto em pauta e, ao mesmo tempo, participamos da construção e aperfeiçoamento das políticas públicas de saúde.