segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O SUS é uma caridade para pobres, ou um direito dos cidadãos brasileiros?


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Fornecida a bomba de insulina e respectivos insumos pela Secretaria do Estado da Saúde, o processo judicial teve prosseguimento. A despeito da manifestação do Ministério Público favorável à concessão definitiva do tratamento com a bomba, o Juiz deu uma sentença negativa, com fundamento no bairro onde residiam Érica e sua advogada, e na instituição privada de ensino superior onde estudava a paciente.

Partindo da concepção generalizada de que os residentes daqueles bairros são pessoas abastadas, e que estudantes de universidades privadas possuem estabilidade financeira - isto é, pensando que a paciente tinha recursos para custear a bomba, e que por isso não poderia receber o tratamento pelo SUS - além de negar o pedido, o Juiz aplicou uma multa a Érica, afirmando que ela teria usado o processo para conseguir objetivo ilegal (má-fé), e cancelou o fornecimento mensal de insumos. Mesmo ganhando a liminar do Tribunal de Justiça, pela sentença Érica não receberia mais os insumos da bomba.

A sentença baseou-se em ilações sem exame da causa e da pessoa em sua subjetividade. Não havia má-fé, porque certamente Érica não se submeteria ao que vinha se submetendo (recusa de fornecimento completo dos materiais e horas de espera na fila de dispensação de medicamentos) se não precisasse de fato que o Estado lhe fornecesse os insumos.

Os bairros mencionados, embora abriguem em regra pessoas com boas condições financeiras, não refletiam as condições pessoais da paciente e de sua defensora, pois Érica residia em república estudantil, e a advogada trabalhava em sua residência, não em um luxuoso escritório como fantasiava o Juiz. Portanto, eram situações bem distantes da nobreza imaginada pelo julgador. Além disso, a Constituição Federal é a mesma para todos os bairros de qualquer Estado do Brasil.

Quanto ao fato da paciente estudar em universidade privada, apenas comprovava que Érica já arcava com gastos importantes, o que dificultava ainda mais a manutenção do seu tratamento de saúde. Pretenderia o juiz impor-lhe a escolha entre a formação profissional (estudo) e a saúde, sendo que ambos são obrigações constitucionais do Estado?

Certamente que, se obrigada, Érica escolheria cuidar de sua saúde, mas, abandonando sua formação acadêmica (que também não conseguiu obter do Estado gratuitamente em função do número insuficiente de vagas nas universidades públicas), acabaria por diminuir suas chances de manutenção do tratamento de saúde, e ficaria sem estudo e sem saúde.

Ainda que a paciente gozasse de condição econômico-financeira confortável, isso não impediria o recebimento de medicamentos de diabetes pelo SUS, já que o sistema é universal, ou seja, deve atender a todos os cidadãos indistintamente (artigo 7º, inciso I, da Lei nº 8.080/1990, e artigos 1º, inciso I, e 3º, da Lei Estadual Paulista nº 10.782/2001).

Se a lei do SUS dispõe a universalidade do sistema, o Poder Judiciário não pode limitar os direitos nela previstos, salvo em caso de omissão da própria lei, o que não acontece no caso. O SUS foi criado e idealizado com base na universalidade e integralidade, o que significa atendimento não somente à população carente, mas a todo e qualquer cidadão. Portanto, o entendimento da sentença contrariava disposições legais, com pretensão de legislar, atividade que não compete ao Poder Judiciário.

Contestada a decisão através de recurso para análise do próprio Juiz que a proferiu, este limitou-se a indicar que Érica deveria recorrer ao Tribunal de Justiça, mantendo a negativa da ação e a suspensão do fornecimento dos medicamentos de que a paciente dependia para sobreviver. 


Calçadas inundadas pela chuva no bairro de "classe social diferenciada"


Reflexões desse post:

- pessoais.

A lei processual brasileira considera litigante de má-fé aquele que apresenta pedido ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, altera a verdade dos fatos, usa do processo para conseguir objetivo ilegal, opõe resistência injustificada ao andamento do processo, procede de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo, provoca incidentes manifestamente infundados, e/ou interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório. Nenhum desses atos praticou a paciente no processo. Por outro lado, o Estado de São Paulo, que para protelar o fornecimento dos medicamentos procedeu de modo temerário no cumprimento da liminar e provocou incidente manifestamente infundado, tentando entregar apenas a bomba infusora quando restava claro que a ordem se referia ao equipamento e demais materiais para a sua utilização, nenhuma punição recebeu do Juiz.


- enunciado 212 do livro "A sociedade do espetáculo", de Guy Debord (página 160).

"A ideologia é a base do pensamento duma sociedade de classes, no curso conflitual da história. Os fatos ideológicos não foram nunca simples quimeras, mas a consciência deformada das realidades, e, enquanto tais, fatores reais exercendo, por sua vez, uma real ação deformada; na medida em que a materialização da ideologia na forma do espetáculo, que arrasta consigo o êxito concreto da produção econômica autonomizada, se confunde com a realidade social, essa ideologia que pode talhar todo o real segundo o seu modelo".

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Defeito no botão: precisamos de um recall para a bomba de insulina 722 da medtronic?

Em junho de 2012 iniciei a terapia com a bomba de infusão de insulina com monitoramento contínuo da glicose intersticial (Paradigm 722, da Medtronic). Até o ano passado ela funcionou normalmente, sem grandes problemas. Mas a partir de meados de 2015, o botão "act" começou a apresentar uma certa resistência aos comandos. 

Na primeira vez em que o botão "act" não respondeu quando o apertei (para silenciar um alarme), pensei que poderia ser algum problema sério, e resolvi observar com mais atenção o seu desempenho, para uma eventual comunicação de defeito à Medtronic. Mas, verificando que essa resistência era esporádica, e que ao segundo toque o botão "act" funcionava normalmente, e que meu controle glicêmico permanecia inalterado, julguei desnecessário o contato com a fabricante.

No final do ano, na tarde do dia 26 de dezembro, quando fui apertar o "act" (em seguida do "esc") para desligar o alarme de "verificar gs" e retomar o funcionamento normal da bomba, o botão não atendeu ao meu comando. Tentei uma segunda vez e, além do comando não ser atendido, a bomba apresentou o alarme "erro de botão" e suspendeu automaticamente a infusão da insulina. Retirei a pilha e coloquei uma nova (ambas energyzer, recomendada pela Medtronic) para testar se o problema era com a pilha que chegava ao final, mas assim que ligada a bomba apresentava o mesmo alarme "erro de botão", mantendo a infusão de insulina suspensa.

Entrei imediatamente em contato com o suporte técnico da Medtronic pelo número 0800-7739200. A atendente me pediu para repetir o procedimento de troca da pilha, e tentar ligar a bomba novamente. Repeti o teste como orientado, e o alarme permanecia, assim como a suspensão da infusão da insulina. Constatado o defeito, fui orientada a conversar com meu médico e retornar à terapia com múltiplas injeções até a bomba ser trocada por uma nova. 

Por ser assintomática, mencionei que era arriscado eu ficar sem o monitoramento contínuo, e questionei sobre o prazo de troca da bomba. A atendente então me respondeu que, por ser sábado, não conseguia acesso aos registros da Medtronic, e que eu deveria retornar a ligação na segunda-feira para verificar quando eu receberia a nova bomba.

Na segunda-feira 28/12 tornei a ligar para o suporte técnico e recebi a notícia de que não seria possível a troca da bomba naquela semana porque a Medtronic estava fechada para balanço, e que só na primeira semana de janeiro eu saberia o prazo para troca. Questionei então se não poderia receber ou alugar uma bomba de insulina temporária, e fui informada que não havia nenhuma em estoque.

Com dois dias de retorno à terapia com múltiplas injeções, mesmo realizando o dextro 8 vezes por dia, minhas glicemias voltaram a oscilar drasticamente (entre 50mg/dl e 275mg/dl). Não iniciei a terapia com bomba de insulina procurando um tratamento melhor, mas porque os demais não surtiam mais efeito para o meu caso.

Busquei então uma solução alternativa para não prejudicar meu controle glicêmico: lembrei de uma amiga que, passando a utilizar a VEO, deixou guardada a 722 que usava anteriormente, e que gentilmente aceitou me emprestar (agradeço imensamente pela solidariedade e disponibilidade em me ajudar!). Assim, no dia seguinte voltei à terapia com bomba de infusão de insulina e monitoramento contínuo da glicose.

O gráfico das minhas medidas glicêmicas no período retrata com perfeição como a suspensão da terapia com a bomba de insulina prejudicou o meu controle. O círculo verde-limão contorna os resultados desde o dia 26/12, quando o botão "act" apresentou defeito, até o dia 29/12, quando instalei a bomba emprestada da minha amiga. Após o dia 26/12 as glicemias oscilam bastante e ficam mais elevadas, e após o dia 29/12 começam a baixar e retornam a uma oscilação menor.




No dia 04 de janeiro liguei novamente para o suporte técnico para saber quando se realizaria a troca, e fui informada que, em função da ausência do aparelho nos estoques da Medtronic, receberia a nova bomba somente a partir da segunda quinzena de janeiro. Mas ela veio um pouco antes, recebi a VEO em substituição a 722 em 13 janeiro, e fiz a instalação no dia 15.

Na ocasião, a especialista clínica da Medtronic que me atendeu (e a quem agradeço o apoio que vem me dando com as configurações das novas funcionalidades e aperfeiçoamento das antigas) disse que, segundo a empresa, a 722 não seria mais comercializada no Brasil porque não haveria interesse em manter no mercado duas bombas da mesma marca com funções bem semelhantes (infusão de insulina e monitoramento da glicemia - lembrando que apenas a VEO tem suspensão automática por hipoglicemia e alertas de previsão de queda e de elevação de glicose).

Mas pesquisando na internet sobre defeito de botão da bomba de insulina da Medtronic, encontrei uma conversa no fórum "tudiabetes.org" em que várias pessoas relatam o mesmo problema em situação de umidade do ambiente (veja nesse link: http://www.tudiabetes.org/forum/t/found-a-solution-to-the-medtronic-button-error-issue/8827), com suspeitas inclusive de erro de projeto da 722 e demais bombas da série 22. Ainda, conversando com amigas da militância em diabetes, descobri que várias bombas 722 quebraram na mesma época que a minha.

Assim, considero necessária a publicação de uma nota de esclarecimento pela Medtronic sobre a ocorrência de problemas com o botão da Paradigm 722 no Brasil e nos demais países em que ela foi comercializada, bem como uma análise por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, para emissão de eventual alerta (como já ocorreu em 2013: http://www.anvisa.gov.br/sistec/alerta/RelatorioAlerta.asp?NomeColuna=CO_SEQ_ALERTA&Parametro=1245) e para averiguar se existe mesmo um defeito de projeto desta bomba, o que poderia dar ensejo a um recall para a troca de todas as bombas 722 em uso pela bomba VEO.

Também considero necessária maior celeridade no processo de troca da bomba, pois a falta dela  por quase um mês coloca em risco a saúde e a vida do usuário, como demonstra o meu gráfico glicêmico. 

Desconheço os motivos do esgotamento do estoque - uma aposta na crise econômica brasileira que não se confirmou, um grande número de bombas com defeito que exigiu a troca por todas as disponíveis para venda, ou até mesmo problemas com importação do produto. Mas nenhuma justificativa legitima a suspensão por tanto tempo de um tratamento necessário à manutenção do controle glicêmico e à segurança da pessoa com diabetes.

Felizmente, a Medtronic é bastante aberta ao diálogo com seus usuários e, em várias oportunidades se coloca à disposição para o esclarecimento de dúvidas através de seus representantes. Assim, enviarei o link desse post para a empresa e solicitarei informações sobre o ocorrido, através de nota de esclarecimento mencionada acima.

Também entrarei em contato com a ANVISA para que o órgão verifique se há necessidade de análise de algumas amostras do produto para eventuais providências, como também mencionadas antes (emissão de alerta e recall).

Recebendo as respostas, escrevo um novo texto com o desfecho do problema com o defeito do botão da bomba 722.