quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Os sentidos do (re)nascer e do morrer e o diabetes (ou - viver ou morrer, eis a questão)

Desde que fui diagnosticada com diabetes tipo 1 em 1986, aos 9 anos de idade, recebi orientações sobre os riscos que a doença não tratada poderia me trazer. Ouvi muitas histórias - de médicos, profissionais de saúde e amigos dos meus pais - sobre pessoas que não se cuidaram e que morreram jovens com deficiências múltiplas em função das complicações do diabetes mal controlado. 

Assim, e como já a partir do segundo ano com diabetes tive uma complicação (catarata nos dois olhos), minha perspectiva de longevidade era muito baixa. E depois que passei dos vinte anos de idade (e dos dez com diabetes), com uma nova complicação - retinopatia, comecei a sentir angústia a cada comemoração de aniversário, que mais me lembrava o caminho da morte que o percurso da vida. Relatei essa experiência em 2014 no texto "Diabetes e o medo da morte (ou da vida?)".

Se por um lado a minha morte precoce era uma ideia presente, por outro lado o sentimento de tristeza pela perda do meu pai e da minha mãe no futuro se fazia totalmente ausente, porque sempre achei que eu partiria antes deles. De uma certa forma, o diabetes era o meu "salvo conduto" para não enfrentar a ideia de provável perda de pessoas queridas, experiência natural da vida qualquer um. Menos da minha (assim eu achava).

De uns anos pra cá, entretanto, comecei a sentir que minha vida não se encerraria assim tão rápido quanto eu imaginava. As complicações do diabetes que vieram com o decorrer do tempo de diagnóstico (30 anos de diabetes), embora tenham me trazido algumas limitações - a neuropatia me impede de realizar atividades físicas de alto impacto, por exemplo - também incentivaram comportamentos mais saudáveis, como a prática regular de exercícios (aeróbicos de baixo impacto e musculação) e mudanças na alimentação. Se perto dos 30 anos de idade eu achava que não os ultrapassaria, agora que me aproximo dos 40 considero que tenho um longo caminho ainda pela frente.

Todavia, o tempo não passou apenas para mim, passou também para as pessoas que amo. Renasci ao ultrapassar os 30 anos de idade mas, sobrevivendo, acabei matando meu pai e minha mãe, porque agora a ideia de que vou perdê-los um dia se torna provável.

Lidar com a sensação da própria morte (mesmo viva) não é simples, mas enfrentar a ideia de possível morte das pessoas amadas, mesmo que num futuro mais distante, é igualmente tormentoso.

Logicamente, já havia descoberto na infância que isso aconteceria, que meu pai e minha mãe um dia morreriam. De certa forma estou revivendo esta fase, com uma sutil diferença entre saber que eles se vão, e pensar que continuarei presente quando eles estiverem definitivamente ausentes. Na minha visão era eu que me ausentaria antes de todos. A saudade seria uma dor da minha família, e não minha. 
 

 
Tela "Cronos devorando seus filhos" de Goya

Desde 1997, quando me mudei de São José dos Campos para São Paulo, eu e meus pais moramos em cidades diferentes. Sinto uma falta enorme de tomar um café com a minha mãe ao fim da tarde, como algumas amigas fazem com suas mães. Às vezes passo meses sem abraçar meu pai. Mas todos os domingos converso com minha mãe por skype, e no fim da tarde das segundas e quintas-feiras converso com meu pai. 

A partir desse novo paradigma de longevidade, comecei a sentir mais intensamente a importância desses momentos para mim. E me alegrei com a possibilidade de cuidar do meu pai e da minha mãe, e retribuir os cuidados que até hoje me dirigem, experiência que na minha expectativa original não se mostrava viável.

No último ano, no mês de dezembro que passou, mês do meu aniversário, não fiquei remoendo a angústia da morte em vida com o diabetes, porque não tenho mais esse sentimento, substituído por uma certa tristeza de um dia a falta do café e do abraço ser definitiva. Passei o natal com meus pais na praia. 

Lembrei meu pai de tomar seus remédios e ele me fez companhia para tomar cerveja. Assei peixe e fiz o feijão, ensinando à minha mãe como deixar o caldo grosso, e ela me ensinou como fazer o molho da salada, enquanto preparávamos o almoço juntas. E até reclamei com minha mãe quando, durante um passeio, ela se fixou num bate-papo do whatsapp ao invés de conversar comigo.

Passei a semana como se fosse a última ao lado deles, mesmo sabendo que não era. Assim, quando ela (a última vez) realmente chegar, sentirei que a presença dos momentos vividos intensamente juntos pode ser igualmente ou mais potente que a dor de não tê-los mais ao meu lado.

Desfruto em abundância de sentimentos a presença de meus pais na minha vida, pois "Tudo agora mesmo pode estar por um segundo". Essa é minha nova dor de viver.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Celular recém-comprado com bateria que acaba em duas horas - prazo para troca do produto defeituoso

Você comprou um aparelho celular smartphone e após usar percebeu que a bateria acabava em apenas duas horas. O produto é defeituoso? E qual o prazo de troca? E se no ato da compra a loja vendedora tenha informado que o prazo para reclamar de defeitos era de apenas 48 horas e já tenha passado uma semana? E se a nota fiscal apresenta um valor diferente do efetivamente pago pelo produto?


Como diria Jack, vamos por partes:


O produto é defeituoso?

Em média, a bateria de um aparelho celular conectado à internet (via wi-fi ou pacote de dados) pode durar entre 7 a 17 horas, ainda que com várias funcionalidades abertas (http://bigvirtual.com.br/os-smartphones-com-maior-duracao-da-bateria/). Assim, se em apenas duas horas o smartphone consome 100% da bateria do celular, o produto certamente é defeituoso. Em termos mais jurídicos, o produto apresenta um vício de qualidade por ser impróprio/inadequado ao uso a que se destina, que é garantir a comunicação móvel da pessoa por várias horas (Leia mais em: Defeitos de Produtos).

 
E qual o prazo de troca?

O Código de Defesa do Consumidor concede o prazo de 30 dias para reclamar de defeitos de produtos não duráveis (alimentos e perecíveis), e de 90 dias de produtos duráveis (não perecíveis), contados a partir da percepção do problema (artigo 26, § 3º, do CDC). Neste caso, sendo o celular um produto durável, o prazo para reclamar é de 90 dias a partir de quando o problema foi constatado. A reclamação pode ser feita tanto ao vendedor quanto ao fabricante, pois ambos são responsáveis pelo funcionamento adequado do produto que comercializam (artigos 3º e 18, do CDC).

 
E se no ato da compra a loja vendedora tenha informado que o prazo para reclamar de defeitos era de apenas 48 horas e já tenha passado uma semana?

Os prazos fixados no CDC podem ser reduzidos ou ampliados por acordo entre vendedor/fornecedor e consumidor, mas existem condições para que esse acordo seja válido: o prazo não pode ser inferior a sete, nem superior a cento e oitenta dias; e, tratando-se de contrato de adesão (aquele que vem pronto para o consumidor assinar, sem possibilidade de discussão de seus termos) a cláusula de prazo diferenciado deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor (artigo 18, § 2º, do CDC), permitindo a imediata e fácil compreensão de seu teor (artigo 54, § 4º, do CDC).

Neste caso, a partir do disposto no artigo 18, § 2º, do CDC, a redução do prazo para reclamações de 90 dias para 48 horas não tem validade jurídica, porque reduz o prazo legal a um prazo inferior a sete dias, ou seja, não respeita o limite mínimo fixado para a flexibilização dos prazos legais. O consumidor então está autorizado a desconsiderar esta informação e fazer a reclamação na loja onde comprou o produto até 90 dias após o aparecimento do defeito.

Após a reclamação, o fornecedor/vendedor tem um prazo de 30 dias para resolver o problema do produto e, caso não o resolva, o consumidor pode escolher entre três opções (artigo 18, § 1º, do CDC): 1. a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (ou, não sendo possível a substituição por outro da mesma espécie, a substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço - artigo 18, § 4º, do CDC); 2. a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; 3. abatimento proporcional do preço, mantendo o consumidor consigo o produto defeituoso.


E se a nota fiscal apresenta um valor diferente do efetivamente pago pelo produto?

Não resolvido o problema, caso o consumidor opte pela devolução do produto mediante restituição do valor do produto, ainda que a nota fiscal contenha quantia diversa, o consumidor tem direito ao ressarcimento do valor efetivamente pago. Se o pagamento foi feito por cartão de débito, o valor debitado que aparece no extrato da conta bancária serve como prova do pagamento. Se o pagamento foi feito através de cartão de crédito, o valor descontado no extrato do cartão serve como prova do pagamento. Se o pagamento foi feito em dinheiro, será necessário uma testemunha que certifique que o valor pago foi superior ao que consta na nota fiscal. 

De qualquer forma, é o fornecedor/vendedor que deve provar que o pagamento não se deu no valor alegado pelo consumidor, e não o consumidor provar o quanto pagou (artigo 6º, VIII, do CDC). Mas é sempre bom ter um documento, ou uma testemunha, que apoie nossas afirmações.


 



Para saber mais sobre: 

Legislação: Código de Defesa do Consumidor

Produtos defeituosos segundo o CDC: Defeitos de produtos

Tempo de duração média das baterias de celulares: Smartphones com maior duração de baterias