terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Caminhando contra o vento, sem lenço e sem medicamento (ou 200 milhões no lixo)

Em janeiro de 2012 entrei com um processo judicial contra a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo, que não respondeu ao meu pedido de fornecimento de insumos para bomba de insulina pelo SUS. 

Sendo a saúde (não apenas a ausência de doenças, mas também as condições para uma vida digna) direito líquido e certo garantido pelos artigos 196 e 198, da Carta Magna, bem como pela Lei Estadual Paulista nº 10.782/01, consegui o fornecimento dos insumos da bomba de insulina através de uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Desde a primeira retirada dos medicamentos encontrei problemas para receber tudo o que meu médico havia prescrito. Como sou assintomática (não tenho mais sintomas de hipoglicemia nem de hiperglicemia, o que acarretava inúmeras crises convulsivas em função de baixa glicêmica não constatada em tempo de tomar medidas que evitassem a continuidade da queda), meu médico me indicou uma bomba de insulina com monitoramento da glicemia, que avisa quando ela está caindo ou subindo. Mas quando fui receber a bomba do Estado, a Secretaria da Saúde queria me fornecer um aparelho sem o monitoramento.

Recusei a bomba de insulina que não correspondia àquela indicada pelo meu médico e, com base no artigo 461 do Código de Processo Civil, pedi o bloqueio da conta do Governo do Estado de São Paulo em valor suficiente para eu mesma comprar a bomba correta, já que, mesmo com ordem judicial, o Estado se negara a fazê-lo.

Diz o artigo 461 do Código de Processo Civil:

"Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."

Ou seja, se não é cumprido o dever de fornecer os medicamentos prescritos, na qualidade e quantidade determinadas pelo médico em receita, os pacientes podem pedir medidas que substituam o fornecimento negado pela Secretaria da Saúde, como receber dinheiro do Estado para comprar esses medicamentos não entregues, ou entregues em menor quantidade.

Mesmo penhorada a conta do Governo do Estado, este apresentou recursos para que eu não recebesse o dinheiro bloqueado. Assim, somente em junho de 2012 consegui a bomba com monitoramento que, depois de muita briga, a Secretaria do Estado da Saúde resolveu me fornecer (embora, na primeira retirada, não tenha me entregado o aplicador de catéter, recebido apenas no mês seguinte).

Em fevereiro de 2013 a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo não me forneceu insulina, no mês de março não forneceu a quantidade necessária do sensor de glicose intersticial, nos meses de maio e junho de 2013 não forneceu os catéteres, e neste mês de janeiro de 2014 não forneceu os sensores mais uma vez.

Todos estes acessórios são imprescindíveis à minha sobrevivência, pois, sem eles, minha condição de saúde “... estará em risco de graves complicações orgânicas que podem acarretar invalidez e morte precoce”, conforme bem esclarecido em relatório médico apresentado à Secretaria do Estado da Saúde.

Infelizmente, esta situação não ocorre apenas no meu caso. Conforme inúmeros depoimentos deixados na página do facebook da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo e na minha página pessoal, há diabéticos que não recebem fitas para medir a glicemia há 2 meses, outros não estão recebendo insulinas, e neste mês de janeiro usuários de bomba com monitoramento de glicose ficaram sem o sensor, responsável pela aferição da glicemia.

Conforme dados publicados no Diário Oficial do Estado de hoje, 21 de janeiro de 2014, a Secretaria da Saúde de São Paulo distribui remédios por contratação de serviços de diversas empresas, às quais o Estado paga entre 150 milhões de reais e 200 milhões de reais. Este dinheiro está sendo jogado no lixo, porque os medicamentos não estão sendo distribuídos adequadamente, e pelo fato de que perdemos até 3 horas na fila de espera de distribuição dos insumos. 



Assim, uma fiscalização por parte do Ministério da Saúde na pasta da saúde em São Paulo é mais do que necessária, para regularizar a distribuição dos medicamentos, e para sabermos para onde vai o dinheiro que deveria ser investido na compra dos medicamentos de que necessitamos para sobreviver. 

Enquanto isso não acontece, sempre que os medicamentos não forem distribuídos na qualidade ou quantidade adequada, nós diabéticos (e demais usuários do SUS) podemos (e devemos) apresentar manifestação à Secretaria da Saúde dizendo que não concordamos com a entrega irregular, e que tomaremos as medidas para que o direito ao recebimento dos insumos seja cumprido, conforme nos assegura o artigo 461, do CPC. Procure seu advogado ou a Defensoria Pública para orientações.

Todas as vezes que não recebi os insumos de forma adequada, apresentei esta manifestação (é necessário pedir ao funcionário o papel para escrever, porque em regra essa possibilidade não nos é informada), em 2 vias: uma fica com a Secretaria e a outra conosco. Esta que fica conosco, levamos ao advogado ou defensor público para que as providências sejam requeridas no processo judicial. Para quem recebe os medicamentos por processo administrativo, esta manifestação pode fundamentar a abertura de um processo judicial, e deve ser levada a um advogado ou à Defensoria Pública.



Segue então modelo de texto para manifestação:

"Exmo. Sr. Secretário do Estado/Municipal da Saúde.

Conforme direito à saúde conferido pelo artigo 196 e seguintes da Constituição Federal, a Secretaria do Estado/Municipal da Saúde deveria ter fornecido todos os medicamentos na quantidade e qualidade descritas em receita e relatório médicos já entregues a esta pasta. Entre estes medicamentos, está o/a/os/as (colocar o/os insumo/s que faltou/faltaram), destinado/s a (descrever porque este/s insumo/s é/são importante/s - fitas e sensores servem para aferir a glicemia e evitar crises hipoglicêmicas e hiperglicêmicas; insulina serve para transformar a glicose em energia; etc), sendo, portanto, imprescindível/imprescindíveis à sobreviência digna do/da paciente.

Considerando que neste mês de (colocar mês e ano) não foi/foram entregue/s o/a/os/as (colocar o nome do insumo não fornecido), tomará o/a paciente as medidas judiciais cabíveis para assegurar o resguardo do seu direito, nos termos do artigo 461, do CPC."

Este modelo serve para todos os Estados e cidades do Brasil, e pode ser utilizado sempre que algum ou vários medicamentos não forem entregues de acordo com a receita médica. Lembrando ainda que o paciente deve procurar seu advogado ou a Defensoria Pública para orientações.

Podemos (e devemos) também denunciar a omissão ligando no 136, número da Ouvidoria do Ministério da Saúde. E também pelo twitter (@minsaude - Ministério da Saúde) e pela página do facebook das Secretarias da Saúde (a da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo é https://www.facebook.com/spsaude?ref=ts&fref=ts).

Deixar de entregar medicamentos insumos necessários à sobrevivência da pessoa, além de constituir atitude inconstitucional por violar a dignidade da pessoa humana, caracteriza crime de periclitação da vida (e de desobediência se houver ordem judicial de fornecimento) que deve ser denunciado ao Ministério Público. No Estado de São Paulo existe o CAO Saúde Pública, sob coordenadoria do Promotor de Justiça Dr. Roberto de Campos Andrade - email: caocivelsaudepublica@mpsp.mp.br